Por Trajano Jardim*
Nos diferentes grupos de comunicação a pauta da reforma da Previdência escancara a característica comercial da mídia brasileira, concentrada nas mãos de poucos grupos familiares, econômicos e políticos, numa demonstração do caráter antidemocrático do setor de comunicações sem diversidade e pluralismo. Que entregam a alma ao diabo a troco das milionárias publicidades do governo e dos grupos financeiros que dominam a economia do País.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, no último dia 18 de março, numa espécie de chantagem pública, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, manifestou ser desejo do mercado financeiro a rápida aprovação da reforma da Previdência. Nas palavras do banqueiro, “o que o governo precisa fazer é focar absolutamente essa reforma, trabalhar com muito afinco e concentrar as forças para que ela possa andar rápido. O ideal é que a gente tivesse [a aprovação] no primeiro semestre”.
Para lazari, se isso não acontecer o mercado pode começar a questionar o quanto o governo conseguirá implantar da reforma. Segundo ele, em isso acontecendo, pode ter desdobramentos muito prejudiciais à economia brasileira. Como nos lembra o ditado popular, para bom entendedor, um pingo é letra.
A opinião do executivo do Bradesco sintetiza, em verdade, a expectativa do mercado financeiro de um modo geral, interessado particularmente no processo de capitalização das aposentadorias, em que os trabalhadores passarão a contribuir em contas individuais com o objetivo de acumular para a própria aposentadoria, dando condições aos bancos e instituições gestoras de investimentos administrarem esses recursos de Previdência.
Vale destacar que, no último ano, apenas a Bradesco Vida e Previdência ampliou seus lucros de R$ 3,4 bilhões, em 2017, para R$ 3,6 bilhões, em 2018. No mesmo período, as reservas dos planos de previdência privada aberta do Brasil cresceram 10,54%, totalizando R$ 836 bilhões, conforme dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi).
O objetivo do capital financeiro com a proposta do Governo Federal pode ser confirmada com as declarações do presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, Carlos Ambrósio durante almoço com jornalistas, em 21 de fevereiro: “acreditamos que poderemos contribuir significativamente com a reforma da Previdência quando ela alcançar o segundo passo, que é o regime de capitalização. A reforma é necessária e está sendo construída com objetivo de eliminar distorções do sistema. Haverá ajustes na proposta. Mas esperamos que seja aprovada o mais rápido possível. Estamos aguardando ansiosamente”, declarou, mesmo dia em que os veículos de comunicação festejavam a apresentação da proposta por Bolsonaro.
Os parlamentares de oposição demonstraram, até agora, a incapacidade de destruir a narrativa do governo, do mercado e dos meios de comunicação privados, do déficit da Previdência Social, travando um embate com discursos inócuos e panfletários, sem objetividade concreta, que poderiam, facilmente, demonstrar que a narrativa dos defensores da reforma carece da verdade, quando procuram fazer crer que querem acabar com privilégios.
A auditora fiscal aposentada Maria Lucia Fatorelli, fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, tem mostrado que historicamente, as contribuições sociais previstas na Constituição Federal vindas do Cofins; CSLL; PIS; contribuição ao INSS pagas por trabalhadores e empregadores; sobre produção rural; importações; loterias e outra, foram mais que suficientes para cobrir toda a despesa da Seguridade Social, que engloba a Previdência, a Saúde e a Assistência Social e ainda sobraram recursos que foram destinados para outros fins, em especial para o pagamento de juros da chamada dívida pública, com a aplicação da lei de Desvinculação das Receitas da União (DRU).
O discurso do déficit da Seguridade Social parece interessar a poucos e sustentar uma série de medidas que talvez não fossem necessárias se a DRU tivesse sido revogada ou não prorrogada nos governos Lula e Dilma. Afora isso, aquilo que foi pensado como solução, vale dizer, desvincular receitas, é a origem do problema do déficit da Previdência. Em janeiro deste ano, o governo Bolsonaro, usando a DRU, editou o decreto 9.699, que transferiu dotações orçamentárias constantes dos Orçamentos Fiscais e da Seguridade Social da União para diversos órgãos do Poder Executivo federal, para encargos financeiros da União e para transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, no valor de R$ 606.056.926.691,00. Se a Seguridade é deficitária, como o governo retira mais de 600 bilhões de reais dos cofres da Previdência?
A esse respeito, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) apresenta o seguinte levantamento:
Como se pode observar sobra dinheiro da Seguridade Social todos os anos. Portanto, não existe saldo negativo na conta da Seguridade Social. O débito existente vem de outro lugar e a Seguridade é quem paga a conta. Esse é o discurso que os parlamentares de oposição têm que fazer apresentando esses números ao ministro da economia Paulo Guedes, (o Tigrão) paladino dos bancos e grupos internacionais que querem se apossar da Previdência Pública, patrimônio dos contribuintes brasileiros.
*Professor – Diretor do Sinproep-DF e Cientista Político