MP- 1046/21: abre a porteira para o fim total da CLT

O professor Rodrigo de Paula, diretor jurídico do Sinproep-DF, analisa neste texto, o sério risco que correm os trabalhadores com a edição, pelo governo Bolsonaro, da MP 146/2021, que pode tornar-se permanente após a pandemia e liquidar de vez com o que resta dos direitos consolidados na CLT

O governo Bolsonaro editou a Medida Provisória 1046/21, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19). Na verdade, a MP tem por objetivo liquidar de vez com o que ainda resta da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e sacrificar, ainda mais, os trabalhadores com a retirada de direitos históricos e precarizar de vez o mundo do trabalho.

A CLT, há muito tempo, tem sido alvo de setores patronais atrasados. Junto com as Reformas de Base, ela foi um dos motivos do golpe militar de 1964. Apesar disso, os militares, com poderes discricionários, pouco mexeram no principal instrumento de defesa dos trabalhadores da “era Vargas”. No período da Constituinte de 88, os setores progressistas e os trabalhadores enfrentaram uma intensa luta contra o denominado Centrão, grupo que reunia os setores mais reacionários, dentro da Constituinte.

No governo FHC, orientado pelo grupo financista neoliberal que combatia o “custo Brasil”, hastearam novamente a bandeira contra a “era Vargas”, inclusive com apoio de setores do movimento sindical, que consideravam a CLT cópia da “Carta del lavoro” da Itália fascista e o seu cunho corporativista. Novamente, amplas organizações progressistas, tendo à frente os grupos de visão trabalhista, conseguiram impedir maiores retrocessos nos direitos consolidados.

Com o golpe jurídico-parlamentar que apeou do poder a presidenta Dilma Rousseff, assistimos a manifestações ultraliberais, tanto do governo quanto do setor patronal, com o objetivo de tornar permanentes as medidas tomadas durante a crise da pandemia da COVID-19.  Esses setores são constituídos pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Embora a tempestade neoliberal vinda da Inglaterra de Margaret Thatcher pregasse a ampla desregulamentação de direitos e a diminuição do estado no desenvolvimento e principal indutor das políticas públicas, de certa forma influenciou setores do governo democrático e popular, e alguns recuos aconteceram nesse período.

No governo federal, durante as gestões de Temer e Bolsonaro, os direitos trabalhistas retrocederam cem anos. No Legislativo, no qual predominam as bancadas ruralistas, as evangélicas e a da bala, atropelam a bancada progressista, que conta com, no máximo, 120 deputados. No Judiciário, em todas as instâncias, os trabalhadores veem, em cada julgamento, direitos conseguidos com suor e luta serem retirados a todo momento.

Agora, com o sofisma do enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes da emergência de saúde pública em razão do coronavírus (COVID-19), da preservação do emprego e da renda, o governo permite ao empregador adotar medidas aplicadas sem a assistência dos sindicatos laborais e deixam o trabalhador à mercê da exploração patronal, para impor acordos individuais, mudando, de forma efetiva, relações de trabalho. São diversas ações: adoção do teletrabalho; concessão de férias individuais ou coletivas; compensação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; fracionar o recolhimento do Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS).

As empresas que desempenham atividades essenciais poderão, durante o prazo previsto no art. 1º da MP, constituir regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas, independentemente da interrupção de suas atividades, e estabelece que a compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita por meio da prorrogação de jornada em até duas horas, a qual não poderá exceder dez horas diárias, e poderá ser realizada aos finais de semana. O que quer dizer que o trabalhador poderá pagar as horas, inclusive, aos domingos e feriados.

A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou de acordo individual ou coletivo, ao passo que a MP suspende a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de abril, maio, junho e julho de 2021, com vencimento em maio, junho, julho e agosto de 2021, respectivamente.

Os empregadores poderão fazer uso da prerrogativa prevista na MP 146, independentemente do número de empregados; do regime de tributação; da natureza jurídica; do ramo de atividade econômica e da adesão prévia do empregado e da assistência do sindicato. Isto é, não necessita da anuência do empregado ou da participação do sindicato.

A Medida Provisória 146/20 dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores, durante o prazo de cento e vinte dias, contado da data de sua publicação. O grande risco que corremos é que as medidas façam parte do projeto do governo Federal, da diminuição do “custo Brasil”, que iniciou com o governo Temer e permanece na filosofia correntemente anunciada pelo governo Bolsonaro, de os trabalhadores escolherem se querem “direitos ou trabalho” e, com isso, tornem-se permanentes. Fiquemos alertas.


 [DT1]Trabalhistas ou trabalhadores? Verifique se está correto.

 [DT2]