O professor Rodrigo de Paula, diretor jurídico do Sinproep-DF, nesse trabalho, analisa as formas que os defensores da “escola sem partido” usam para escamotear os seus propósitos de criar uma educação no Brasil exclusiva para as classes privilegiadas, com a privatização e transformar o ensino em mercadoria
A educação brasileira sempre foi um território em disputa. No período colonial brasileiro, que durou de 1500 a 1822, passou por três fases: a primeira, de predomínio dos jesuítas; a segunda, das reformas pombalinas, e a terceira, da reforma feita por D. João VI, com a transferência da corte para o Brasil, entre 1808 e 1822.
Na primeira fase, destaca-se o padre Manoel da Nóbrega, com o início da instrução e a catequese dos indígenas. Junto com os jesuítas, Nóbrega desenvolveu as escolas de ordenação, e como resultado foi criado um sistema para ensinar aos filhos dos colonos brancos e aos mestiços. Para isto, o padre montou um plano de ensino adaptado ao local e à sua missão, que continha o ensino de português, a doutrina cristã e a “escola de ler e escrever”.
Passada a fase de alfabetização, os alunos tinham a opção de continuarem os estudos para o aprendizado da agricultura ou seguirem com aulas de gramática. Os filhos da elite finalizavam seus estudos na Europa. A escola nesse período, não era um espaço de problematização do presente, com vistas na construção do futuro, com o objetivo de “atender também a toda a população, e não apenas a uma minoria privilegiada.
Nesse sentido, em 1922, foi lançado o Manifesto de 1932, dos Pioneiros da Educação Nova, que propõe a Reconstrução Educacional no Brasil, com o objetivo de mostrar que “na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade o da educação”. Colocando a educação acima, do caráter econômico na disputa da primazia nos planos de reconstrução nacional.
Com base na definição da reconstrução da educação nacional prevista pelos Pioneiros de 1932, instituição da Educação Domiciliar, pela sua própria natureza de criação de modalidade de ensino, caracteriza-se como um retrocesso à modalidade estabelecida na primeira fase da educação no período colonial, de segregar a educação como bem particular, voltado somente para as questões cognitivas, objetivando a formação de uma elite letrada, contrariando o escopo de uma “educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo…”, proposta pelos Pioneiros.
Assim, a tese defendida pelos adeptos da Educação Domiciliar, tema compreendido no conteúdo da locução constitucional “diretrizes e bases da educação”, como matéria da competência legislativa privativa da União inscrita no art. 22, inciso XXIV, da Constituição, não acolhe no ordenamento jurídico vigente brasileiro A MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DOMICILIAR. Ademais, o posicionamento do STF sobre a matéria deixa claro, em 2018 que, para o reconhecimento do ensino domiciliar no Brasil, faz-se necessário alterar a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Embora a Constituição deixe em aberto a possibilidade dessa modalidade de ensino, a Carta Magna exige o detalhamento de como será encaminhada a aprendizagem das crianças pelas famílias, como por exemplo: qual o projeto educativo, quem será o professor e qual a exigência pedagógica dessa formação, quais serão os processos de avaliação por competências e habilidades da BNCC e dos itinerários formativos que devem ser avaliados e por quais instrumentos, entre outros.
Portanto, a inexistência de lei complementar editada com fundamento no art. 22, parágrafo único, da Carta Magna para delegar, aos estados e ao DF, a competência para legislar sobre essa questão específica da matéria “diretrizes e bases da educação nacional” excluindo assim, a atuação legislativa distrital. A própria LDB, norma de caráter nacional, contém dispositivo que com ela torna incompatível a adoção da educação domiciliar quanto ao ensino fundamental.
O Homeschooling é apenas um atalho para impor o projeto principal, o “escola sem partido”. Sistema que tem como objetivo é transformar o ensino em instrumento de dominação e de alienação, que possa abrir caminho para a privatização do sistema, transformando a educação em mercadoria, ao alcance da minoria privilegiada.