O diretor jurídico do Sinproep-DF, professor Rodrigo de Paula*, neste artigo analisa a nova ofensiva de setores ultraliberais da educação privada brasileira, defensores da chamada “escola sem partido’, que tentam, a todo custo, precarizar a profissão docente e investir na mercantilização do ensino
Por iniciativa da deputada Luisa Canziani (PTB-PR), relatora do Projeto de Lei 3179/12, que trata da educação domiciliar (conhecida pelo termo inglês “homeschooling”) de autoria do deputado Lincoln Portela (PL-MG), voltou a ser debatido na Câmara dos Deputados.
O projeto do parlamentar mineiro acrescenta parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica, uma proposta defendida pelos adeptos da “escola sem partido”, movimento que pretende descaracterizar o que define a Constituição Federal de 1988, quando estabelece que a educação é “dever do Estado e da família”.
Desde 2013, a Lei de Diretrizes e Bases Educacionais (LDB) exige que pais ou responsáveis matriculem os filhos em escolas da educação básica a partir dos quatro anos de idade. Até 2013, a idade mínima era de 6 anos. A diminuição da idade foi necessária porque a escola tem importância fundamental na convivência social, democrática e na proteção da criança e do adolescente.
Concordamos com a posição da Contee e de renomados pedagogos, quando defendem que, quanto mais cedo essa convivência social, melhor para a criança. Porque ao despojar o estudante disso, com vistas a atender escusos interesses privatistas, é destituí-lo do próprio direito à educação.
O caminho proposto pelos defensores do sistema de ensino “homeschooling”, ou “escola sem partido”, nada tem a ver com liberdade de escolha, como prega o ministro da Educação. A bandeira da liberdade de escolha desse grupo, nada mais é do que o aríete usado para furar a barreira da escola libertária definida por Paulo Freire.
Nessa mesma linha de raciocínio, a Professora Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), afirma que o projeto proposto tem problemas que dizem respeito à necessidade de competências didáticas e pedagógicas sobre como ensinar e sobre como as crianças aprendem, como também a questão da restrição da convivência em importantes grupos sociais.
Para Maria Helena “a importância do acesso à escola como garantia do direito fundamental à educação nunca se mostrou tão imprescindível quanto neste momento de pandemia e isolamento. Nós trabalhadores e gestores do setor, por entenderem que encarar a educação como um dever do Estado e da família foi uma grande vitória da alcançada na Constituinte de 1988”. Os setores de educadores comprometidos com o projeto de ensino elaborado por Anísio Teixeira, enfrentaram um duro embate para que a educação brasileira não retrocedesse ao extremo durante os debates na Constituinte.
Continuaremos contrários a regulamentação do ensino domiciliar, por entender que esse sistema de ensino compromete a convivência entre os diferentes segmentos sociais, elemento fundamental do processo educativo e da construção de uma escola humanizada, onde se estabelece as relações de solidariedade, de cidadania, de ligação afetiva, fatores essenciais para o desenvolvimento psíquico e cognitivo das crianças e dos adolescentes.
Com base na posição da CONTEE, não podemos aceitar a criação de um sistema paralelo de ensino, que não respeita os princípios e diretrizes da educação tais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sistemas de avaliação, financiamento e dadas as condições de acompanhamento, avaliação e principalmente a valorização dos trabalhadores da educação.
No nosso entender, não pode prosperar um sistema onde a educação recai sobre os próprios familiares do aluno, geralmente os pais ou grupos de pais, ou depende da contratação de professores particulares, chamados de tutores. Esse sistema representa mais uma medida de desprofissionalização do professor, substituindo um profissional com formação universitária e pedagógica obrigatória de no mínimo quatro anos por qualquer pessoa e/ou manual de aprendizagem, numa verdadeira uberização da profissão.
*Rodrigo de Paula é professor de História