Com quase 300 propostas de mudança na Câmara dos Deputados, entre elas a redução da maioridade penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90) completa 25 anos de sanção nesta segunda-feira (13). A lei busca assegurar às crianças e aos adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.
O consenso dos especialistas é de que o ECA é uma das leis mais avançadas do mundo, um marco na proteção da infância, cuja base a doutrina de proteção integral reforça a ideia de que esta é uma prioridade absoluta da Constituição.
Porém, de acordo com entrevista à Agência Câmara, para a ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a sociedade e o Congresso estão mais preocupados em mudar o estatuto do que em tirá-lo do papel. “Nossos grandes desafios, nesses 25 anos, foram implementar o ECA e mantê-lo. Desde o primeiro momento, ele foi contestado, e mudanças foram propostas, como se ele fosse inviável. Isso atrasou algumas políticas”, argumenta.
Atualmente, a proposta em discussão na Casa visa reduzir a maioridade penal. Aprovada em primeiro turno pela Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/93) reduz a maioridade de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso (com a intenção de matar) e lesão corporal seguida de morte.
Ainda conforme divulgado pela Câmara, o coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mário Volpi, acredita que a legislação está em risco. “É um grande retrocesso [a redução], porque não há nenhuma evidência de que uma medida dessa natureza poderia contribuir com a melhoria da situação das crianças e dos adolescentes e com a redução da violência; poderia inclusive agravá-la”, aponta.
Realidade
É possível observar que o endurecimento das medidas socioeducativas previstas na PEC 171 não condizem com os números apontados por diversos órgãos sobre a realidade da infância no Brasil.
Segundo reportagem publicada neste domingo (12) pela Rede Brasil Atual, compilando as estatísticas disponíveis, os crimes graves – homicídio, latrocínio, estupro, lesão corporal – correspondem a 13,3% do total de atos infracionais cometidos por adolescentes no Brasil. A prática de roubo responde por 38,6% dos casos e o tráfico de drogas, por 27%. Em 2012, o Brasil tinha 108.554 adolescentes cumprindo medida socioeducativa, segundo o Censo do Sistema Único de Assistência Social, elaborado em 2014. O número equivale a 0,18% dos 60 milhões de brasileiros com menos de 18 anos.
Relatório divulgado no mês passado pelo Conselho Nacional do Ministério Público indica que 40% das unidades de internação para jovens são insalubres e 66% delas estão superlotadas. Além disso, 38,5% das unidades de internação não possuem espaços adequados para atividades profissionalizantes e 28,7% não possuem salas de aula adequadas.
Outro documento, elaborado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) indica que a situação constatada pelo conselho do MP reforça um problema anterior ao ato infracional e que se perpetua após o cumprimento da medida socioeducativa: cerca de um terço dos adolescentes com idade de 15 a 17 anos cumprindo medidas no país, em 2013, ainda não havia concluído o ensino fundamental. E somente 1,32% havia concluído o ensino médio.
Ainda segundo os dados do Ipea, 60% dos adolescentes privados de liberdade eram negros e 66% viviam em famílias consideradas extremamente pobres. Além da alta defasagem escolar, 51% desses adolescentes não frequentavam a escola quando foram apreendidos e outros 49% estavam desempregados.
Portanto, é possível inferir seguramente dos dados que nestes 25 anos o ECA ainda precisa ser retirado do papel. Contudo, o retrocesso da legislação não promoverá essa mudança da realidade de crianças e adolescentes brasileiros, mas a prejudicará.
Fonte: Agência Câmara e Contee.