Por que patrões não querem estender os direitos trabalhistas ao teletrabalho?

A pandemia da Covid-19 forçou muitas empresas a adotarem o teletrabalho por causa da exigência de isolamento social. Possível para 22,7% das ocupações no país, essa forma de trabalho trouxe polêmicas sobre as relações do capital com o trabalho.

Como garantir segurança, saúde e respeito às leis trabalhistas já tão precarizadas? Como manter a jornada de trabalho de 44 horas semanais, por exemplo?. A questão é tão candente que existem inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com a intenção de regular essa forma de trabalhar.

Inclusive o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou em setembro do ano passado a Norma Técnica 17/2020 com instruções de procedimentos e obrigações para um bom andamento das funções de quem vende a força de trabalho.

O setor patronal critica as instruções do MPT como “impraticáveis” e “desfavoráveis” à manutenção do emprego e os representantes da classe trabalhadora lutam para garantir os direitos trabalhistas de todas e todos.

A discussão está apenas começando. Para a juíza do Trabalho, Valdete Souto Severo, presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), não há necessidade de uma nova legislação porque “nós precisamos que as regras que temos sejam cumpridas e aí estou falando da Constituição de 1988, que garante relação de emprego e limite à jornada, ambiente saudável de trabalho, entre outras coisas”.

Em entrevista ao Portal CTB, Valdete afirma ser necessário combater a precarização do trabalho na sua integralidade. “A opção legislativa no Brasil foi exatamente o contrário disso. Foi inserir na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) com a reforma trabalhista mais um inciso no artigo 62 para dizer que também quem realiza teletrabalho não está atingido pelas normas de regulação e limitação do tempo de trabalho, o que a nossa jurisprudência e a doutrina majoritária entendem que essas pessoas não têm registro de horário de trabalho e em consequência não há pagamento de horas extras”.

Mas, para a juíza gaúcha, não é difícil de manter o teletrabalho em condições adequadas. “Não há dificuldade alguma em impor limitação de horário. Se nós temos tecnologia suficiente para que o trabalho seja exercido por meios virtuais, basta criar dispositivo que limite a possibilidade de acesso a esse ambiente virtual em que o trabalho é realizado”.

Muitos juristas concordam que a lei já regulou o teletrabalho, mas as divergências são grandes e o debate permanece aberto e as instruções do MPT para a sociedade e para quem atua na Justiça do Trabalho são importantes.

Em concordância com Valdete, a secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Vânia Marques Pinto lembra que “é muito comum acontecer de não notarmos o excesso de trabalho quando estamos em casa. Parece que dormimos com o computador e acordamos com o celular tamanho o excesso”.

De qualquer forma, não se pode cair no engodo da negociação entre patrão e empregado, que sempre deixa quem vive do trabalho em desvantagem, ainda mais na situação de alto índice de desemprego e necessidade de isolamento social por causa da pandemia.

De acordo com Valdete “a forma como estamos lidando com o teletrabalho no Brasil, aceitando que ele seja também uma forma de trabalho precarizado” ajuda a criar “uma sociedade de pessoas adoecidas” e “esse resultado já está aparecendo. Só que ele vai se agravar muito mais” se não “nos atentarmos para a necessidade de respeito às leis de convívio social”.

Fonte: Portal CTB-Nacional – Por Marcos Aurélio Ruy