Faculdades particulares de SP lotam salas virtuais e demitem mais de 1.600 professores durante pandemia

Docentes alertam para sucateamento do ensino à distância e sindicato vê irregularidades nos cortes. Instituições apontam evasão escolar e inadimplência como responsáveis pelos desligamentos.

Professor de telejornalismo e radiojornalismo, Ulisses Rocha, de 60 anos, soma mais de 16 de anos de carreira como docente. No semestre passado, deixou o ambiente agora virtual das salas de aula e entrou para a estatística da crise no sistema de ensino superior privado: foi desligado da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) em fevereiro, ainda antes da pandemia, e da Universidade Nove de Julho (Uninove), onde lecionava.

“Tive de devolver meu apartamento alugado e voltar a morar com a minha mãe para não morrer de fome e não ficar sem teto. Graças a Deus, sou aposentado, mas estou procurando trabalho porque a aposentadoria não é o suficiente para manter o padrão de renda que se tem quando se possui dois empregos”, relata Rocha.

De uma única vez, a FMU mandou embora cerca de 190 professores. Já a Uninove demitiu 500 professores em dois cortes durante o primeiro semestre deste ano.

As demissões ocorrem em outras universidades particulares na cidade de São Paulo. Segundo levantamento do Sindicato dos Professores de São Paulo, 1.674 profissionais foram cortados desde o início de abril.

A estimativa é a de que o número seja ainda maior, já que as rescisões homologadas no sindicato são apenas de professores com pelo menos um ano de casa.

Os cortes refletem não apenas nos índices de desemprego, mas na qualidade do ensino à distância: superlotação de salas virtuais e a substituição de educadores por “tutores” como forma de reduzir a carga horária e salário dos docentes.

A Uninove demitiu 50% do corpo docente e a Unisul demitiu 40% , de acordo com o Sinpro. Ainda de acordo com o sindicato, em outras universidades o número de demissões não chegou a ser expressivo, mas houve diminuição da carga horária e, consequentemente, do salário dos professores.

“Muitos professores não concordaram com a redução brutal de carga horária e foram demitidos. Tem professor que tinha 40 horas-aula e que ficariam com 3 horas-aula. Alguns preferem não concordar e são demitidos, outros preferem se manter por causa do plano de saúde e preferem ter alguma redução de salário a não ter nenhum salário”, afirma Celso Napolitano, diretor do Sinpro.

Motivos das demissões

Um das justificativas das instituições de ensino para as demissões e para a redução da carga horária de professores é a de que houve redução de alunos matri

Os cortes refletem não apenas nos índices de desemprego, mas na qualidade do ensino à distância: superlotação de salas virtuais e a substituição de educadores por “tutores” como forma de reduzir a carga horária e salário dos docentes.

A Uninove demitiu 50% do corpo docente e a Unisul demitiu 40% , de acordo com o Sinpro. Ainda de acordo com o sindicato, em outras universidades o número de demissões não chegou a ser expressivo, mas houve diminuição da carga horária e, consequentemente, do salário dos professores.

“Muitos professores não concordaram com a redução brutal de carga horária e foram demitidos. Tem professor que tinha 40 horas-aula e que ficariam com 3 horas-aula. Alguns preferem não concordar e são demitidos, outros preferem se manter por causa do plano de saúde e preferem ter alguma redução de salário a não ter nenhum salário”, afirma Celso Napolitano, diretor do Sinpro.

Motivos das demissões

Um das justificativas das instituições de ensino para as demissões e para a redução da carga horária de professores é a de que houve redução de alunos matriculados. Algumas faculdades sequer abriram processos seletivos para o segundo semestre. Além disso, as instituições de ensino argumentam aumento da evasão escolar e da inadimplência.

Em maio, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu o pagamento de parcelas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) por causa da pandemia do coronavírus. O Fies é um programa de financiamento para estudantes cursarem o ensino superior em universidades privadas.

“Essas justificativas não correspondem a toda essa redução de custo, até porque os prédios não estão sendo utilizados, então há economia de energia, água e eletricidade, por exemplo. Não se justifica”, afirma Celso.

Antes da pandemia, em dezembro de 2019, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a ampliação de disciplinas Ensino a Distância (EAD) de 20% para 40% nas graduações presenciais.

Com a proliferação da doença, as universidades implantaram em 100% o ensino à distância no primeiro semestre e, com isso, aproveitaram para demitir os professores.

As salas de aula virtuais chegam a ter 180 alunos ao mesmo tempo e um único professor para aplicar o conteúdo.

“Estão ‘ensalando’ os alunos, o que virou uma palavra de moda. Significa colocar alunos de vários campi e de várias universidades em uma mesma sala virtual com um só professor. Estão obrigando os professores a lecionar para entre 120 e 180 alunos em uma mesma sala, às vezes, mesmo alunos de semestres diferentes. Imagina um professor em uma plataforma tendo de ensinar 180 alunos? Isso causa um desnível de baixa qualidade de ensino. Os alunos estão descontentes com isso, mas não têm o que fazer, têm de continuar. E há os que evadem, que deixam de pagar a mensalidade, porque é um curso presencial que custa três vezes mais caro que um curso a distância”, diz Celso.

Outro problema identificado pelo sindicato é o uso de aulas gravadas por professores que foram demitidos e não possuem mais vínculos com a instituição. As aulas continuarão sendo usadas nos próximos anos para novas turmas.

“No contrato de cessão de direitos nós instruímos muito que não incluíssem a possibilidade de utilizar o material quando o professor fosse demitido, mas houve professores que assinaram cedendo direito de imagem e conteúdo para a vida toda”, afirma Celso.

Apesar das demissões, a Uninove, por exemplo, está contratando professores. Mas agora os novos contratos são como Pessoas Jurídica (PJ) enquanto os dispensados eram em regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de acordo com um professor de Direito que prefere não se identificar por medo de retaliações.

“O que se discutiu muito é que as demissões foram em razão da pandemia, que havia evasão dos alunos, o que não representou uma verdade porque no mesmo momento em que estavam demitindo, estavam contratando novos professores, mas agora como PJ. Houve um aproveitamento da situação da pandemia. O ensino superior já vem em uma precarização e a pandemia veio como oportunidade para acelerar esse processo. Virou um modelo de negócios para investidores que estão preocupados com o lucro. Eles não estão interessados na educação”, lamenta o professor que prefere não se identificar.

Algumas instituições já contratam professores usando a palavra “tutor” na descrição da vaga. A proposta visa tirar o protagonismo do educador e coloca-lo no papel de orientador, com presença mínima, indireta ou inexistente.

Em nota, a Uninove disse que desde o mês de março vem inovando e investindo para que sua comunidade acadêmica tenha as mesmas condições de ensino e pesquisa on-line e que os impactos econômicos gerados pela pandemia obrigaram instituições particulares a reestruturem seus quadros na virada de semestre, mas que, no entanto, vem garantindo a permanência da grande maioria de seus profissionais de educação.

A FMU foi procurada pelo G1, mas não se posicionou até a publicação desta reportagem.

‘Foi humilhante’, diz professor

Outro professor que prefere não se identificar foi demitido após quase 20 anos de trabalho na Uninove através de uma mensagem de pop-up na tela do computador e teve de entrar na Justiça para receber seus direitos.

“Foi humilhante. Quando fui entrar no site da Uninove para lançar as notas apareceu a mensagem que eu estava dispensado. Foi uma forma grotesca e desonrosa, me senti humilhado e desprezado pelo tempo de trabalho. Tenho 71 anos e sempre fui um professor conhecido pela dedicação. Não faltava, era muito querido pelos alunos. Mas o tratamento que nos dão é de um número a mais. Eles sempre procuraram desprezar e não valorizar o professor. A missão que recebi de ensinar os alunos é o que me consola”, relata.

Além da humilhação, o professor conta que teve de procurar a via judicial para ter acesso ao seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “O dinheiro aparece para mim no aplicativo como bloqueado. Não tem nenhuma restrição no meu nome para isso acontecer. Me disseram que era um probleminha entre a Caixa e a Uninove”, afirma.

O professor sequer conseguiu lançar as notas no sistema depois de aplicar e corrigir todas as provas. A Uninove, então, atribuiu notas altas a todos os alunos, o que ele considera um “estelionato educacional”.

“A partir do momento que recebemos o aviso de que estávamos dispensados, muitos alunos me ligaram para saber as notas que tiraram. Eu passei para quem me ligou, mas quem lançou as notas a ‘bel prazer’ foi a própria Uninove, que deu 9, 9,5 e 10 para todos. Muitos haviam sido reprovados comigo e ganharam essa nota. É um estelionato educacional”, opina.

De acordo com Celso Napolitano, o sindicato tem enfrentado dificuldades de levar adiante as denúncias. Ele já recorreu ao Ministério Público do Trabalho, que arquivou um dos casos.

Para Celso, o boicote dos alunos às instituições de ensino é essencial para garantir até mesmo a qualidade da educação pela qual eles pagam.

“A única coisa que vai sensibilizar esse povo é o boicote dos alunos, que não estarão dispostos a pagar por um ensino que não tem comprovação de qualidade. Mesmo porque é uma ilusão pois o aluno faz um esforço danado para fazer um curso que pode representar uma ascensão social e ele está sendo enganado.”

Fonte: Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — São Paulo